É sempre bom conhecer mais sobre artistas e bandas com bastante tempo de atividade e que continuam ativas ou influenciando os novos talentos, né? Esse é o objetivo da coluna Memória Pop. A cada semana um artista diferente, sua biografia, discografia, reflexões variadas sobre estilo, trajetória e legado dentro do pop.
Qual a definição de ser artista atualmente? Nos dias de hoje muito se fala sobre cada coisa que os “artistas” fazem, mas será que realmente sabemos dar valor a esses atos? E Pabllo Vittar, como deve ser vista pelo mundo?
Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, abril de 2019, a cantora afirmou: “sei como é difícil ser motivo de chacota”. Referia-se a dificuldade de ser respeitada por todos, considerada apta para um emprego ou conseguir namorar. Denunciava o preconceito que vive na pele todos os dias, sem assumir papel de vítima. Ao contrário, em suas aparições públicas, posts nas redes, performances nos shows, clipes e editoriais de revistas, em toda gama de atividades que se envolve aproveitando as oportunidades, Pabllo Vittar se expõe inteira, atirada, diferente, confiante.
Parece confortável em cena e aproveita de sua visibilidade para falar de moda, comportamento, liberdade de gênero e provocar com sua atitude, sem jamais agredir ou ofender, espectros conservadores da sociedade brasileira. Não fala de política o tempo todo. Não precisa. Sua existência, seu corpo, é político.
Essa atitude confiante não é inconsciente. Pabllo tem afirmado em toda parte saber que o preconceito não diminuiu com a fama, alertando para a necessidade de falarmos sobre inclusão. Nos dizeres dela ao Estadão – “não sou uma artista só de ficar fazendo música”. Por essa razão, quem sabe, Pabllo Vittar se posicionou aos seus nove milhões de seguidores no Instagram nas eleições de 2018 e, recentemente, se pronunciou em situações como a tentativa de censura pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, de uma HQ com um beijo gay.
A maneira como a cantora se exprime é sutil, não é de textões. Gosta de frases curtas e diretas: “love is love”. Essa frase veio acompanhada da foto de um beijo entre dois homens. Na campanha eleitoral postou apenas “Ele Não”. Assim tem dado seu recado, não se omite, mas ao mesmo tempo não está no centro de polêmicas, sabe se proteger e não discute frequentemente com internautas. Parece se divertir sempre, prefere a leveza, não a vemos perdendo o controle ou respondendo com ódio ao ódio que sofre.
Pabllo Vittar esteve recentemente em Belo Horizonte, participando do Festival Sarará, que ocorreu em 31 de agosto, no estacionamento do Mineirão, reunindo cerca de 35 mil pessoas. Foi uma das mais aplaudidas, em um festival de 12 horas de música em que se privilegiou a diversidade, tendo atrações como Mano Brown, Letrux e Gilberto Gil. Toda essa turma preconceituosa (e falo preconceito mesmo, não é só não gostar e não gostar e pronto, é falar mal) com a Pabllo Vittar, geralmente composta por puritanos da música e gente nostálgica e apegada ao que se ouvia antes e ainda gente homofóbica e transfóbica, toda essa gente deveria tê-la visto no palco do Sarará, junto com Duda Beat, outro talento. Ela arrasou. Estava linda, animada, potente e tomou conta do palco e do público em um dueto preciso com Duda. Em um evento com figuras consagradas da música, mais tempo de carreira, a cantora se destacou por seu figurino ousado, a coreografia, o domínio cênico.
Pabllo Vittar é uma artista pop intensa, representante da diversidade, beleza ímpar, alguém que se entrega e merece o que conquistou com muito trabalho em uma agenda incessante de compromissos a que não costuma faltar. É representante de uma geração de artistas que busca ser extremamente profissional no cumprimento de seus contratos, assume inúmeros compromissos comerciais, sem deixar de parecer alguém real e próximo a seus seguidores.
A música é virtuose e também alegria. Quem não consegue ver valor algum no trabalho da cantora desconhece ou desconsidera sua empatia com o público, sua trajetória vitoriosa em um país tão preconceituoso. Outro dia li algo nas redes: “tanta desinformação é porque as pessoas ficam escutando coisas como Pabllo Vittar em vez de ler um livro”. Sério? Vamos mesmo colocar nas costas de um artista ou de um estilo musical a responsabilidade pela desinformação? Vamos mesmo trabalhar dessa forma maniqueísta, ou você escuta Pabllo ou lê um livro? Vamos mesmo ignorar o preconceito que ela sofre ao alimentar outro preconceito, o preconceito com a música dela? Vamos chamá-la de coisa?
Todos podem gostar ou não gostar de algo, e todos são livres para expressar opinião, ainda bem, mas não dá para ignorar que Pabllo Vittar é justamente uma defensora dessa liberdade. Certos artistas, em determinados momentos da história, são importantes porque divertem, transgridem, são importantes porque se despem, porque postam nas redes algo que nos traz alento e dão declarações realistas sobre preconceito. São importantes porque existem, não aceitam mais a invisibilidade. São protagonistas das mudanças do tempo.
Pabllo Vittar é esse tipo de artista. É valor para o Brasil.
Viviane Loyola
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