As Bandas Que Ouvi Por Aí: O encontro de gerações, e problematizações, nas músicas de Anná - Palco Pop
Colunas | Publicado por Beatriz Carlos em 8 de outubro de 2018.
As Bandas Que Ouvi Por Aí: O encontro de gerações, e problematizações, nas músicas de Anná

Conhecer bandas novas ou mesmo um artista solo, que realmente nos faça ficar envoltos em suas histórias, pode ser uma tarefa difícil em meio a tantas informações. Porém, estamos aqui para te ajudar nessa missão! Toda semana apresentaremos a vocês diferentes artistas do cenário independente que assim como nós vocês precisam ouvir. Hoje vamos falar sobre o encontro de gerações presentes nas músicas da cantora Anná.

Nada se cria, tudo se repete e é refeito em formatos diferentes. Se reinventar é uma tarefa difícil. É preciso enxergar além do que se vê, neste caso, quando há música envolvida, é preciso escutar além do que se ouve.

Agora, difícil mesmo é se influenciar por tantos e não parecer ninguém, ser único. A artista de hoje não se encaixa dentro dos padrões, mas tem como influências grandes nomes da música como Elis Regina, Gilberto Gil e Clara Nunes.

Com o dedo sempre na ferida, Anná resume o seu trabalho autoral em melodias leves e letras pesadas. As canções da paulista põem em discussão tabus que sempre estiveram presentes na nossa sociedade, mas que apenas de alguns anos para cá estão sendo discutidos.

Aos fãs de Metá Metá, Vanessa Moreno, e Abacaxepa, Anná é a artista que lhe faltava.

Assista ao clipe de “Carta à Boa Forma”:

O Começo

“Eu costumo dizer que eu nunca comecei, que eu nunca tive um primeiro contato com música porque eu sempre tive música. Sempre foi uma coisa muito natural, eu tenho uma relação muito natural. Meu aprendizado, inclusive, não tenho quase nada de formação teórica, eu não sei ler partitura. Hoje estou entendendo que isso é importante, mas até então nunca foi uma coisa do tipo ‘sentar e estudar música’, como se fosse uma coisa chata, então música sempre foi divertido, sempre foi natural. Quando eu tinha entre uns 3 – 4 anos de idade, na minha escola tinha aula de música e a gente gravou um CD. Então minha primeira gravação de CD eu tinha uns 3 – 4 anos, e por isso eu defendo cada vez mais a musicalização infantil, aulas de música na escola. Eu tinha essa coisa muito natural, mas eu nunca imaginei que eu fosse trabalhar com isso. Era aquela coisa ‘como assim, eu vou ser a Xuxa? Eu vou ser a Whitney Houston?’, sempre foi uma coisa muito distante pra mim como profissão, tanto que até os meus 15 anos de idade eu achei que teria que prestar medicina ou direito, e foi chegando perto do vestibular e eu fui entendendo, fui fazer psicólogo, fui fazer terapia pra entender, porque eu lembro que eu sofria muito, e ai que eu percebi que o que eu sou apaixonada é a área cultural, a área artística. Eu sou formada em cinema, eu vim pra São Paulo para fazer cinema e no meio do caminho eu conheci uma galera da música e percebi que eu gostava muito de cantar e comecei a engrenar nisso. Conheci o meu companheiro, o Samuca, que é músico a mais de 15 anos, então ele foi a referência que eu não tive, da pessoa que vive de música. Então, certo dia eu olhei pra ele, depois de algum tempo cantando em bar, porque meu começo foi em bar e até hoje eu faço, pois acho que bar é uma fase muito importante, e falei, ‘mano vamos fazer um Catarse pra gente gravar um CD’ e aí foi isso, a gente juntou força, juntou um amigo ali que fez o vídeo, eu fiz o texto, sabe aquela coisa, puro suor, puro esforço e aí rolou. Gravei o EP e estamos ai!”

Como foi a reação da sua família quando você decidiu seguir a carreira musical?

“Minha família é de profissões muito conservadoras, não tem ninguém que foge da casinha, ninguém mesmo, mas quando eu resolvi que eu ia fazer cinema eles ficaram muito assustados, porque aí eles falaram ‘quem a gente conhece que faz isso? Tem certeza? A gente não vai poder te ajudar (…)’, mas eu falei que sentia que era isso e eles me apoiaram. Mas com o cinema foi mais difícil do que com a música, porque eu acho que pra música existe um lance de um retorno, eles ficam muito orgulhosos, porque rola uma visibilidade. No cinema seu nome vai aparecer nos créditos no final, talvez alguém vá ver. Quando é show, meus pais e meus irmãos ficam muito orgulhosos. Eu estou inclusive pensando em fazer faculdade de música e tá todo mundo apoiando. Hoje eu trabalho com cinema e com música, faço clipes, vídeos e faço meus shows também.”

As grandes influências

“Pra cantar tenho como influências a Elis Regina, a Elza Soares, a Carmen Miranda, a Clementina de Jesus, e a Clara Nunes, essas são as cantoras que eu mais ouço e mais estudo. Pra compor são outras referências, eu sigo muito a linha do Tom Zé, tem também uma pitada de Gil, e o André Abujamra que eu gosto muito.”

As influências da nova geração

“Eu ouço muito e acho que é uma banda que vai ficar pra história é Metá Metá, os caras são muito monstros, são muito bons. Eu sou muito fã da Juçara Marçal (vocalista do Metá Metá), ela é uma das cantoras que, hoje em dia, eu mais admiro o trabalho. A Vanessa Moreno também tem um trampo que eu gosto muito, uma cantora muito, muito boa. Acho que da nova geração são essas duas. Eu ouço muita coisa velha, muito difícil eu parar pra ouvir coisa nova, porque sinto que eu ainda tenho tanta coisa do clássico pra aprender, mas de hoje, desses novos, essas duas: Juçara Marçal e Vanessa Moreno.”

Hoje em dia você consegue definir o seu estilo e público-alvo?

“Eu considero que eu ainda estou no meu início de carreira, e sobre esse lance de estilo eu tento não me colocar em nenhuma caixa. Eu tenho uma vivência muito forte no samba, e de música brasileira, eu adoro. Eu tenho um repertório de mais de 300 sambas que eu sei cantar, eu tenho o tom tirado, eu tenho um estudo pra vida relacionado ao samba, mas eu não paro só no samba. Eu ouvi tudo a minha vida inteira, eu já cantei até gospel. Eu não gosto de falar, isso é ruim isso eu não canto, ou eu sou isso, sou uma cantora de samba, não, eu não sou só uma cantora de samba. Eu posso ser uma cantora de Beatles, eu posso ser uma cantora de Hardcore, na verdade o que eu gosto mesmo é de misturar as coisas. Então, esse lance de público, até hoje eu tenho dificuldade, porque eu acho muito complicado a gente olhar a arte dessa maneira tão comercial, eu acho meio perigoso. Mas, meu último show no SESC da Avenida Paulista eu fiquei impressionada, porque tinha gente de todas as idades, de 18 a galera de 60, porque eu acho que é muito amplo e eu não penso muito nisso de meu público-alvo, eu tendo pensar nisso quando eu vou fazer um direcionamento de publicação no Instagram ou Facebook se eu vou impulsionar, ai eu sei que são pessoas que geralmente gostam de música brasileira, porque a pessoa que gosta de Iron Maiden pode gostar do meu som,  mas a chance de quem ouve Luiz Gonzaga gostar do meu som hoje é maior.”

Qual é o seu diferencial?

“O que eu mais tento fazer e o que eu acho que a música tem me ensinado a cada dia mais é a questão da autenticidade, ser quem você é. As vezes a gente fica forçando a barra, querendo entrar em caixinhas do tipo ‘ah agora eu tenho que ser dessa bandeira’, e eu acho que não é por aí. Quanto mais verdade, quanto mais você se auto conhecer, e deixar isso aparecer na sua arte, acho que isso que é um diferencial. Agora, na prática, pensando um pouco mais ‘capitalisticamente’, eu sou uma pessoa muito prática, então eu faço tudo pra mim. Eu vendo meus shows, eu faço contato, eu fecho a data, eu marco ensaio, eu defino o arranjo, eu converso com os músicos, eu pago os músicos, eu deposito para os músicos. Eu sou uma pessoa muito ativa, muito motivada a querer que isso dê certo. Muita gente acha que vai vir um olheiro de uma gravadora e que vai ver você o seu talento, ou sei lá, o dono do SESC vai ver você e vai te contratar, e não é assim. Nada cai do céu! As vezes temos uma visão de que tal pessoa tá voando, ‘nossa que sorte’ e não é sorte, é suor. E eu sou uma pessoa que suo mesmo, eu não paro quieta e acho que esse é o meu diferencial.”

Recentemente a artista participou do programa Canta Comigo, da emissora Record. Sob o comando de Gugu Liberato, o programa conta com 100 jurados que compõe um dos maiores painéis já vistos. Anná interpretou a canção “O Morro Não Tem Vez”, sucesso na voz de Elis Regina, mas infelizmente não atingiu a quantidade de votos necessários para seguir na competição.

Confira a apresentação da artista:

Se preocupar com a estética ou deixar fluir?

“Eu me preocupo com questões estéticas e eu deixo fluir, acho que não tem como não se preocupar com questões estéticas quando você está compondo, afinal, o som também tem uma estética. Cada vez que eu componho é uma coisa diferente. Já teve música de eu acordar com a música na cabeça, colocar no papel e depois continuar, por exemplo a música Linha Vermelha, que está no meu EP,  nasceu a partir do final dela, que é um funk meio James Brown, e aí depois eu fiz uma outra letra pra essa música que era um maracatu que virava um baião, depois uma bossa nova e depois ia para o final. Outra música eu fiz durante uma aula da minha pós-graduação, na minha agenda. Então, os processos de composição são muito de deixar fluir e de preocupação estética, e não só de compor, mas de interpretação. No meu trabalho existe um trabalho prévio de entendimento da canção, entendimento da letra e melodia pra eu entender em qual estado eu vou estar. Nunca vou cantar uma música como eu canto a outra, porque cada música é uma música e cada música pede e fala alguma coisa.”

Plataformas Digitais vs Show Ao Vivo

“Eu acho que sem a internet eu não existiria enquanto cantora na cena. Hoje é o maior meio da gente trabalhar nossa divulgação. Eu sei que tem muita gente que ainda acha que a gente vai ser descoberto em televisão, mas não. Eu vejo muito a internet como a porta mais democrática, é só você fazer um canal no YouTube e enfim, você não precisa mais pagar jabá ou escolher uma produtora, implora pra uma gravadora te contratar e fazer você. Eu acredito mesmo que as plataformas digitais, as redes sociais, a internet no geral, elas são o meio de trabalho do músico hoje. Agora, além da internet tem esse trabalho do boca-boca, da rua, então é bar que eu faço, é show, é outro meio. Geralmente a pessoa tem tantos seguidores no Instagram, mas as pessoas não vão no show, existe uma fidelidade virtual, mas que a pessoa não sai de casa. As vezes os fãs que a gente faz no show, no bar, são pessoas mais fieis e que vão sair mais, por isso eu acho muito importante sempre estar cantando por aí, mesmo que seja nos cafofo”

Você consegue atingir um público fora da capital?

“Então, esse lance de público eu não tenho muita noção, a gente vai perdendo um pouco o controle das coisas. Mas, eu tenho um público muito forte em Mococa (SP), que é minha cidade e em São Paulo. Fora disso, vez ou outra eu recebo uma mensagem do tipo ‘vem pra Natal’, mas eu não tenho muita noção e não fico muito pilhando nisso, de pensar se estou atingindo um público, ainda não penso nisso.”

Em 2017, lançou seu primeiro trabalho autoral, o EP “Pesada”, que coloca o dedo na ferida abordando três assuntos extremamente importantes: valorização da música brasileira, a ditadura do peso, e a morte do vendedor Luis Carlos após defender uma travesti na Linha Vermelha.

Todos os temas presentes nas letras são de grande impacto para a sociedade. Não há neutralidade, a crítica está presente em cada palavra. Entretanto, é interessante analisar a forma leve que as letras tomam ao se misturarem com as melodias, e todo o arranjo. É possível absorver todas as informações, sentir vontade de dançar, e ainda sim pensar profundamente sobre o que foi cantado.

Melodia, ritmo e harmonia se encontram perfeitamente. A música “Linha de Frente”, terceira faixa do disco, é composta de samba, maracatu, baião e funk. As mudanças de ritmos acontecem de forma leve e quase imperceptível, é como se fossem uma coisa só, ou tivessem nascido um para o outro, ou um do outro, sinta como quiser!

O EP surgiu a partir de um financiamento coletivo feito na plataforma Catarse. Anná contou com a ajuda de amigos para fazer o vídeo e escrever os textos, e do seu companheiro Samuel, responsável por gravar o violão de 7 cordas que está presente em todas as faixas do EP.

O que os fãs podem esperar de você nos próximos meses?

“Um CD novo muito foda, se as Deusas permitirem.”

Foi seguindo os passos de gigantes e os interpretando com alma, coração e muito suor que Anná se tornou a artista que é hoje. Filha do samba, do rock, do baião, e repleta de muito axé, a artista se prepara para lançar seu próximo trabalho autoral. Esperamos que venha logo, e que a mistura de ritmos e problematizações nos leve a intensas reflexões.

Que os orixás abram teus caminhos. Você merece uma carreira cheia de sucesso. Axé!

Ouça o EP “Pesada” no Spotify.

 

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