O Conto de fadas sombrio de Del Toro é um marco nas histórias de amor.
Fantasia, monstros e um amor impossível tornam-se reais sob a perspectiva de Guillermo del Toro em seu novo longa. A Forma da Água é o mais recente vencedor do Oscar na categoria de Melhor Filme e possui roteiro ousado em sua proposta inicial. Seus elementos funcionam de forma harmoniosa, em que cada detalhe é importante para o desfecho. O interessante na forma como del Toro conduziu o longa está no fato de que, a princípio, temos a sensação de acompanhar uma trama simples, mesmo que bem produzida. No desenrolar do enredo, porém, percebemos que a impressão inicial é apenas a ponta do iceberg de um roteiro bem mais complexo e trabalhado do que se pensa. Através do romance bizarro e personagens intrigantes, del Toro consegue tratar de assuntos como a solidão humana, xenofobia, crueldade e a empatia.
Sally Hawkins (Elisa) e Doug Jones (a Criatura).
O filme levou também a estatueta de Melhor Trilha Sonora, que foi composta por Alexandre Desplat (Harry Potter e as Relíquias da Morte) e contribuiu para a ambientação que representa bem o modo de vida americano da época – e que inclusive conta com Carmem Miranda cantando “Chica Chica Boom Chic”. Novamente, a obra vai além do fantasioso e retrata os anos 1960 com todas as suas implicações; as camadas do Sonho Americano permeadas por machismo, homofobia, relações abusivas e racismo – isso em meio a tensão da Guerra Fria e a Corrida Espacial.
Uma fotografia obscura e, ao mesmo tempo repleta de cores e simbolismo, é plano de fundo para atuações envolventes; com destaque para Sally Hawkins, cuja personagem, Elisa Esposito, é muda. Com uma interpretação expressiva e apaixonada, Hawkins rouba a cena ao dar vida a uma mulher determinada e forte. Octavia Spencer (Zelda) e Richard Jenkins (Giles) entregam personagens tão solitários quanto a própria Elisa e que nos cativam à medida que se desenvolvem durante o filme. Michael Shannon cumpre bem seu papel como o odioso Richard Strickland, cujas cenas mostram as diversas facetas de um típico sujeito americano cumprindo seu dever com o país.
Sally Hawkins (Elisa) e Octavia Spencer (Zelda).
Já a “Fera” da história, interpretada por Doug Jones, que não fala e não é nomeada, poderia ter sido mais explorada em relação às suas origens e habilidades, uma vez que alguns questionamentos permanecem sem resposta. No mais, o filme dá tempo ao personagem para que ele se desenvolva e seja encantador de uma forma estranha, mas que funciona bem no universo de fantasia de Del Toro.
Vencedor na categoria de Melhor Diretor, Guillermo del Toro abriu espaço para novas maneiras de contar histórias e renovou a magia dos monstros no cinema. O romance exótico entre uma mulher muda e um homem anfíbio consegue trazer mensagens mais profundas sobre a valorização da vida, a compaixão pelo próximo e questionamentos a respeito da humanidade. É uma obra complexa e encantadora, cuja originalidade dificilmente será esquecida.
Por Isabela Souza